LIÇÃO 5: KANJI II – ASPECTOS SOBRE SUA FORMAÇÃO E APRENDIZADO

Na lição anterior você aprendeu sobre a História do Kanji e o que concerne a seu uso, leitura e traçado. Vamos agora estender esse conhecimento básico adquirido abordando tópicos sobre sua formação e aprendizado.

5.1. AS CATEGORIAS DE KANJI

Tenha em mente que um ideograma é algo lógico e não um monte de rabiscos aleatórios como muitos podem pensar. Porém, para que você possa compreendê-lo, esqueça completamente o nosso tempo atual e considere os elementos da época em que ele foi criado, tais como a vida cotidiana, cultura, objetos etc., ainda que para nós seja praticamente impossível conhecer tais elementos a fundo, o que nos possibilitaria entender melhor a sua lógica.

O estudo da etimologia do Kanji já é bem antigo. De fato, o primeiro “dicionário” chinês e o mais primitivo texto a estudar a origem pictórica dos caracteres chineses é o 「せつもんかいじ」 (説文解字), e foi escrito no século II d.C. Este "dicionário" estudou a origem pictográfica dos Kanjis, classificando-os em 6 categorias, conhecidas como 「りきしょ」 (六書). A seguir, vamos abordá-las:

1. Shoukei Moji (象形文字): também chamados de Kanjis pictográficos, têm sua forma semelhante àquilo que representam e são os mais primitivos, tendo origem nas figuras de objetos ou fenômenos. Consequentemente, muitos desses caracteres são substantivos e frequentemente são usados como componentes para ideogramas mais complexos. Aproximadamente 3% de todos Kanjis já desenvolvidos na China pertencem a esta categoria. Observe alguns exemplos:

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2. Shiji Moji (指事文字): também chamados de Kanjis indicativos, são derivados da primeira categoria e usam pontos e linhas para expressar conceitos abstratos que não possuem forma em especial, incluindo a noção de “dentro”, “acima”, “abaixo”, etc...:

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3. Kaii Moji (会意文字): também chamados de Kanjis ideográficos compostos, são formados através da combinação de Kanjis pictográficos ou indicativos, a fim de apresentar uma nova e simples ideia. Os caracteres que são combinados contribuem para a “montagem” de seu significado final. Daremos exemplos de formações com dois Kanjis, mas é claro que o número pode variar. Observe:

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Ao observar esta categoria de Kanjis, podemos ter uma ideia de como os chineses antigos viam o mundo e de como era a vida cotidiana. No primeiro exemplo, como o trabalho naquela época era feito no campo, provavelmente era comum que os trabalhadores descansassem debaixo de árvores. No segundo, podemos deduzir que homem era praticamente sinônimo de camponês, uma vez que as mulheres ficavam mais em casa cuidando da família, enquanto seus maridos trabalhavam. No terceiro, consideremos que era muito comum se criar porcos em casa – assim como se cria cachorros hoje em dia.

4. Keisei Moji (形声文字): também conhecidos como Kanjis fonético-ideográficos, são também combinações de dois ou mais caracteres simples que apresentam um novo significado. Mas diferentemente da categoria anterior, um componente é relacionado ao significado do novo caractere formado, e o outro dá a pronúncia (original chinesa). Os ideogramas desta categoria são os mais complexos, envolvendo desde os caracteres mais primitivos (relacionados ao significado apenas) até os que são organizados tanto por sua fonética como por seu significado. Acredita-se que 90% de todos os Kanjis pertençam a esta categoria. Observe os Kanjis a seguir para melhor entender o seu conceito:

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Note que em cada um dos três caracteres, há o radical 「氵」 (mais detalhes acerca dos radicais no próximo tópico), localizado à esquerda indicando que o significado está relacionado com “água”, enquanto o componente da direita “empresta” sua pronúncia ao conjunto.

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Em cada um dos caracteres acima, o componente do lado esquerdo é diferente, por isso, os significados variam. Mas, perceba que, como todos têm o mesmo componente à direita, todos possuem a mesma leitura On 「セイ」.

Com estes exemplos, vemos que aprendendo os componentes básicos, torna-se possível desvendar muitos Kanjis desconhecidos, seja no significado e/ou na leitura On. É claro que nem sempre é tão simples assim, mas o importante é ter sempre esta linha de raciocínio.

5. Tenchuu Moji (転注文字): também conhecidos como “caracteres derivados”, são Kanjis cuja pronúncia ou significado foi alterado por empréstimo de um Kanji que representa outro som ou ideia, dando origem a outro caractere – ou seja, modifica-se um Kanji para originar outro – para expressar coisas semelhantes ou de mesma natureza. Observe a figura abaixo:

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Essa mudança se deu pelo fato de que antigamente algumas palavras que não tinham o mesmo significado passaram a ser grafadas da mesma maneira. Um exemplo disso é 「楽」, que originalmente significa “música”, mas que passou a significar também seu efeito, o “gozo”, o “deleite”. Como o sentido não era o mesmo, algumas dessas palavras tiveram a sua escrita diferenciada. Mas não se preocupe, pois os caracteres que formam esta categoria são raros.

6. Kashaku Moji (仮借文字): também conhecidos como “caracteres tomados emprestados” são Kanjis que foram usados para representar outra palavra, sem relação alguma com a que originalmente ele designava, somente por causa de pronúncia igual ou um sentido antigo que se perdeu completamente. Por exemplo, o caractere 「自」 (zì) originalmente era usado para “nariz” e passou a ser empregado também para a expressão “si próprio”, pois esta tem a mesma pronúncia (zì). Atualmente, este é o único significado que ele possui. Outros exemplos incluem 「四」, 「北」, 「要」, 「少」 e 「永」, que originalmente representavam "muco", "costas", "cintura", "areia", e "nadar”, respectivamente, mas passaram a ser usados para expressar "quatro", "norte", "querer", "pouco” e "eternidade".

Nesta categoria percebe-se o uso de uma técnica incomum, pois sempre existiu resistência em mudar o sentido de um caractere existente. Porém, devido à fragmentação de dialetos na China (o mandarim é o oficial, mas há outros como o cantonês e dialetos próprios de Taiwan), havia ocasiões em que um dialeto possuía palavras próprias sem escrita ainda. Então, “pegava-se emprestado” um caractere de outra palavra que tivesse o som igual. Normalmente, quando isso ocorria, uma versão levemente alterada do Kanji era criada para o seu lugar. Por exemplo, atualmente as palavras “nariz”, “muco”, “costas”, “cintura”, “areia” e “nadar” são representadas com os caracteres levemente alterados, isto é, 「鼻」, 「泗」, 「背」, 「腰」, 「砂」 e 「泳」.

5.2. OS RADICAIS

Dos primeiros pictogramas foram selecionados 214 para que fossem usados como radicais para outros caracteres (você pode baixar a lista clicando aqui). Radical (Bushu) é um sub-elemento de um Kanji. Todo Kanji possui radical ou é um radical em si mesmo, no caso dos mais simples. Sua finalidade é expressar a natureza geral do caractere, isto é, é o componente que dá uma pista sobre a origem, grupo, significado ou pronúncia. Por isso, em muitos dicionários de Kanji os ideogramas são organizados por radical.

Os radicais são divididos em sete grupos, de acordo com a sua posição no conjunto. Vejamos esses grupos e alguns exemplos:

1. Hen: radical que se localiza ao lado esquerdo do conjunto:

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2. Tsukuri: radical que se localiza ao lado direito do conjunto:

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3. Kanmuri: radical que se localiza acima do conjunto:

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4. Ashi: radical que se localiza abaixo do conjunto:

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5. Tare: radical que cobre os lados esquerdo e superior do conjunto:

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6. Nyou: radical que cobre os lados esquerdo e baixo do conjunto:

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7. Kamae: radical que se localiza ao redor do conjunto:

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Observe novamente os exemplos acima. Percebeu como normalmente a forma de um caractere é alterada sutilmente quando este funciona como radical para outro caractere? Veja alguns exemplos:

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Ao dizer "ki hen", referimo-nos ao "radical árvore", que fica do lado esquerdo. Já "ame kanmuri" ao radical da chuva, que fica em cima.

Se você conseguir memorizar todos (ou pelo menos) alguns dos radicais mais importantes, será capaz de dominar muitos Kanjis. Como curiosidade, estima-se que apenas 6 radicais compõem 25% dos 2136 Kanjis que você precisa aprender. São eles:

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Se acrescentarmos mais 14 radicais, teremos os radicais que compõem 50% de todos os Kanjis da lista de uso diário. São eles:

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E. se acrescentarmos mais 31 radicais, teremos os radicais que compõem 75% de todos os Kanjis da lista de uso diário. São eles:

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Como mencionamos anteriormente, em muitos dicionários de Kanji os ideogramas são organizados por radical. Com a exposição à língua japonesa, você se tornará capaz de identificar o radical de cada Kanji e isso será muito útil. Imagine que você se depara com o seguinte Kanji:

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Sabendo que o radical pode estar presente em uma das sete posições, supõe-se que o radical desse Kanji esteja na parte superior dele, isto é, trata-se do radical 「雨」, que significa “chuva”. Agora, vamos acessar a opção “Multiradical (antigo) do site “sci.lang.japan Frequently Asked Questions”. Nessa interessante ferramenta é possível filtrar Kanjis pelo radical de acordo com a posição numa lista de ocorrências mais comuns. Veja:

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No nosso exemplo, supomos que o radical é 「雨」, que significa “chuva”, e que ocupa a parte superior do Kanji. Então:

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Nos resultados aparecerão os Kanjis que possuem 雨」como radical ordenados pela quantidade de traços. Agora sabemos que o Kanji em questão se trata de 「電」, que significa “eletricidade” e possui 13 traços.

Uma curiosidade sobre os radicais é que há quem defenda a tese de que eles são na verdade apenas uma forma de organizar os Kanjis e não um elemento fundamental relacionado ao significado. O que sustentaria essa tese é que a palavra para “radical” – Bushu (部首) – que literalmente significa “cabeça de seção”, apenas faria referência à forma como os Kanjis foram organizados em um dicionário de 47.000 caracteres publicado em 1716 sob as ordens do imperador chinês Kang Xi. Outro fato que fortaleceria a tese é que com a simplificação dos Kanjis feita pelo governo japonês, alguns perderam seus radicais originais, recebendo novos. Por exemplo, o Kanji 「會」 tinha como radical original 「日」 e ao ser simplificado para 「会」 passou a ter o radical 「人」:

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Ora, diante disso alguém poderia argumentar: “Se o radical fosse um elemento fundamental para o significado, não deveria ser trocado”. De fato, é para se refletir...

Outro ponto que podem levantar para se questionar a nomenclatura “radical” é que um elemento radical tem como característica a pureza (ser original, uma base) e a simplicidade. Basta uma rápida olhada na lista dos 214 radicais e nos depararemos com radicais complexos. Por exemplo, o radical 「香」 não satisfaz as características de pureza e simplicidade, haja vista que ele é na verdade um conjunto formado por outros radicais, isto é, 「禾」 e 「日」.

Aliás, há outros métodos para organizar Kanjis, como o “SKIP” e o “Método dos Quatro Cantos”. O SKIP (System of Kanji Indexing by Patterns), isto é, “Sistema de Indicação de Kanji por Padrões”, foi desenvolvido por Jack Halpern e consiste em um código de três números (X-X-X). O primeiro número indica o tipo de disposição dos elementos dentro de um Kanji, podendo ser (1) vertical, (2) horizontal, (3) cercado ou (4) sólida (quando não se encaixa em nenhum dos três tipos anteriores). Já o segundo número indica a quantidade de traços do primeiro elemento da composição e o terceiro, o número de traços do segundo elemento da composição. No caso dos Kanjis do tipo (4) sólido, o segundo indica o número total de traços da composição, e o terceiro números varia de acordo com a presença de certos elementos, a saber:

➩ Se o Kanji tem uma linha horizontal na parte superior, como 「雨」, o terceiro número é 1;

➩ Se o Kanji tem uma linha horizontal na parte inferior, como 「白」, o terceiro número é 2;

➩ Se o Kanji tem uma linha vertical dividindo-o, como 「虫」, o terceiro número é 3;

➩ Se nenhum deles se aplica, por exemplo 「丼」, o terceiro número é 4.

Observe a ilustração a seguir:

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Já o “Método dos Quatro Cantos” foi inventado nos anos 1920 por Wang Yunwu, editor-chefe da Commercial Press Ltd., China. Já passou por algumas revisões, mas basicamente consiste em classificar os traços em 10 tipos numerados de 0 a 9:

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Uma vez conhecidos os tipos de traços, os 4 cantos de um Kanji são numerados segundo o formato da letra Z:

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Veja um exemplo:

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Sendo assim, pelo método dos quatro cantos, o código do Kanji é “0128”. Embora esse método não identifique exclusivamente um Kanji, deixa uma lista muito curta de possibilidades. Um quinto dígito pode ser adicionado para descrever uma parte extra acima da parte inferior direita, se necessário:

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Neste caso, o código do Kanji é 34131 (丶十一丶).

5.3. COMO APRENDER KANJI?

De fato, dominar os Kanjis não é tarefa fácil, mas isso não significa de forma alguma que seja impossível. Usaremos Kanjis desde o começo para ajuda-lo a ler japonês "real" o mais rápido possível. Nestas duas lições, abordamos algumas das propriedades dos ideogramas numa tentativa de tornar seu aprendizado menos penoso e mais divertido e, dado o que foi exposto, vamos responder a duas perguntas que devem estar pairando na sua cabeça agora:

1. Se mesmo um nativo pode ter dificuldades em saber como ler determinada composição de Kanjis, dada a quantidade de possiblidades de leitura e as mudanças sonoras, qual a melhor maneira de aprender a lê-los?

Realmente, a quantidade de leituras que um único Kanji pode ter e, ainda mais, as possíveis mudanças sonoras que podem ocorrer em alguns casos, de início, o faria concluir que aprender as leituras individuais se torna totalmente inútil, porque na prática, ao se deparar com uma composição desconhecida, você só teria um “poder de suposição” no quesito qual leitura usar. Para clarificar, suponhamos que você não conheça a composição 「行楽」, mas conhece as leituras individuais dos Kanjis 「行」e 「楽」. Com isso, a primeira imagem que viria a sua mente certamente seria esta:

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Ok, perfeito! Você sabe todas as leituras ON individuais de cada Kanji. Entretanto, especificamente para esta composição, qual é a combinação de leituras correta? Aí começa o grande problema! Inevitavelmente, você acaba se vendo diante de um quebra-cabeça no qual você tem as peças, mas não sabe como encaixá-las...

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Isso só considerando as leituras ON. Imagine então se esta composição tem uma leitura mesclada, extra, atribuída, ou ainda tem a pronúncia simplificada? Veja como há muitas, mas muitas possibilidades...

Como bem aponta Luiz Rafael em seu livro “Desvendando a Língua Japonesa”, “o que faz o japonês realmente aprender KANJI não é o ensino deles na escola, e sim a convivência em tempo integral, o uso massivo em praticamente todas as situações do dia-a-dia. Na escola, o japonês aprende os KANJIS mais pela necessidade de ler textos, copiar conteúdo da lousa referente a todas as matérias, escrever redações e resolver exercícios, do que pelo ensino formal do KANJI.”

Esse é o lado ruim da história. Mas há o lado bom: se você memorizar leituras individuais em grande quantidade vai, inevitavelmente, adquirir um senso de como se dá é a formação das palavras na língua japonesa. Por exemplo, “por que há uma Sokuon aqui?”. Perguntas assim podem ser respondidas de uma forma sistemática – lembra-se do que dissemos quando tratamos de mudanças sonoras?

Também, não aprender as leituras individuais é desvantajoso, porque com o tempo você perceberá que geralmente uma leitura ON de cada Kanji é usada com mais frequência (estima-se que em 80-90% das vezes, usa-se apenas uma única leitura On dentre as possíveis para cada Kanji). Tal afirmativa ganha força ainda mais quando vemos que livros convencionais e métodos de memorização costumam listar 2 ou no máximo 3 leituras On para cada Kanji! Sendo assim, geralmente a leitura On # 1, entraria nessa faixa de 80-90% e a leitura # 2 somente seria usada em casos específicos.

Com relação às leituras KUN, aprendê-las individualmente é bom se o Kanji representar uma palavra por si só. Por exemplo, o Kanji 「力」 tem a leitura KUN 「ちから」, que por si mesmo (sem necessidade de se completar com o Okurigana) é a palavra para “força”. Veja como o significado do Kanji, se traduz diretamente em uma palavra inteira que você pode realmente usar.

Falando em significado, saber o significado individual de um Kanji é certamente muito útil para palavras e conceitos mais simples. Kanjis, tais como 「続」 ou 「連」 definitivamente vão ajuda-lo a lembrar de palavras como 「接続」、「連続」、e 「連中」. Em conclusão, não há nada de errado em aprender o significado de um Kanji e isso é algo que recomendamos.

Bem, agora você deve estar pensando “OK, eu vejo que há os prós e contras em se aprender as leituras individuais. Mas, ainda assim, não seria muito mais fácil simplesmente assimilar Kanjis e composições conforme formos nos deparando com eles?

Isso faz muito sentido e talvez seja a opção defendida por muitos, isto é, aprender Kanji por meio das PALAVRAS que você for encontrando por aí, e não através de  caracteres isolados, a menos que este seja por si só uma palavra “utilizável”. Afinal, a fim de aprender uma palavra, você obviamente precisa aprender o significado, a leitura, o traçado dos Kanjis e qualquer Okurigana, se for o caso. E isso com as ferramentas disponíveis atualmente na internet, torna-se muito mais prático.

Voltemos à composição 「行楽」. Por enquanto, somente fomos capazes de supor sua leitura e não chegamos a uma conclusão. Entretanto, se acessarmos o Denshi Jisho, por exemplo, tudo se resolverá em poucos segundos, sem estresse. Vejamos:

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E ainda, em “Kanji Details” poderá aprender o significado de cada Kanji, bem como o traçado:

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Bem prático, não é mesmo?

Concluindo, nossa sugestão é que você siga pelo caminho híbrido:

PRIMEIRO: aprenda PALAVRAS e, por meio delas, tudo o que for relacionado aos Kanjis que as compõem (significado, leituras KUN - se representarem por si mesmo palavras -, e o traçado);

SEGUNDO: com mais tempo e calma, para um estudo mais etimológico e mais avançado, atente-se às leituras e veja como as palavras foram formadas, bem como as particularidades de sua pronúncia, se houver.

2. Como memorizar o traçado dos Kanjis, já que existem muitos ideogramas para se aprender?

Lembra-se que no tópico de introdução “Como aprender algo realmente” uma das ferramentas necessárias para o aprendizado é a “ASSOCIAÇÃO”? Por esta razão, cremos que algo que lhe será útil para memorizar o traçado dos Kanjis é fazendo uso de uma técnica muito conhecida e difundida em livros como “Kanjis Mnemonics” e “Remember the Kanji”. Consiste em dividir os ideogramas em partes e tentar associá-las a figuras do nosso cotidiano. É como se passássemos a encarar cada Kanji não como uma “letra” em si, mas como um conjunto de letras ou mesmo uma união de radicais (como se todos pertencessem à categoria “Kaii Moji”, que vimos no primeiro tópico desta lição) para transmitir uma nova ideia. Veja a ilustração a seguir:

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Aliás, costuma-se dizer que os elementos de um Kanji composto podem ser organizados dentro de um dos 12 padrões a seguir:

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Para “dividir” os Kanjis, você pode utilizar o “Tagaini Jisho, que possui essa função:

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Segundo o Tagaini Jisho, 「電」 , que significa “eletricidade” tem como componentes o radical 「雨」, que significa “chuva” e 「日」, que significa “dia” e, aliás, consta na lista de radicais. Com relação ao “terceiro” caractere (em preto), algumas fontes apontam que é uma variante de 「⼄」, que significa “segundo” e também consta na lista de radicais. Com isso podemos criar uma história para memorizar esse Kanji: “A eletricidade foi descoberta por causa da chuva que cai em nossos dias de vida. Geralmente, primeiro começa a chover e em segundo lugar, vem o relâmpago”.

Outros exemplos:

口【くち】 (significado: boca): este Kanji é uma figura que lembra uma boca aberta, porém um pouco quadriculada;

本【ほん】 (significado: raiz, livro): este Kanji é uma árvore e o traço no meio é a terra onde ela está plantada. Então, abaixo da terra está sua raiz. A raiz de onde brota o conhecimento são os livros.

Outra ferramenta para desmembrar Kanjis é o site “Jiten On:

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Outro site é o “The Kanji Map, que entre outras funções, apresenta uma decomposição dos Kanjis em forma de redes:

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O site “WaniKani” tem uma ferramenta muito interessante (clique no ícone de pesquisa no canto superior direito). Com ela podemos pesquisar um Kanji e ele será desmembrado, sendo apresentada também uma frase (em inglês) para facilitar a memorização:

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Perceba que o desmembramento do Kanji 「電」 apresentado pelo WaniKani é diferente da decomposição apresentada pelo Tagaini Jisho, mas isso não importa. Temos que levar em conta que os Kanjis são originalmente chineses, portanto, muitos “elementos reais” e/ou “significados reais” estão presentes somente nos dialetos chineses, não sendo incorporados à língua japonesa (ou mesmo abandonados em dado momento da história). Se consultarmos, o Kanji 「電」 em algum site que apresente a etimologia chinesa de caractere, como o “Chinese Etymology” e o “YellowBridge”, teremos algo muito interessante (consulta pelo “YellowBridge”):

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O Kanji 「電」 é uma junção de 「雨」, que significa “nuvens de tempestade” e 「申」, que significa “raio”, “relâmpago”, cuja forma simplificada é 「电」 e não consta na lista japonesa de Kanjis de uso diário. Veja como do ponto de vista chinês, é bem mais fácil (e lógico) se chegar aos elementos constituintes do Kanji 「電」. Por outro lado, como na língua japonesa não foram incorporados todos os elementos (e significados), existe uma limitação para se chegar até os elementos constituintes dos Kanjis. Por isso, fazer adaptações é inevitável; você poderá nomear os componentes de Kanji da maneira que for mais fácil pra você ou mesmo considerar o que quiser como componente de Kanji.

NOTA: Existem outros bons sites que fazem o desmembramento de Kanjis e apresentam frases para a memorização, como o “KanjiDamage” e o “Kanji Alive”.

Assim como em português, por exemplo, há uma “hierarquia” na escrita de palavras, isto é, as (3) palavras são formadas por (2) sílabas e estas, formadas por (1) letras (elementos primitivos), nos caracteres chineses há o que chamaremos de “Hierarquia”. Veja a figura a seguir (de baixo para cima):

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Os (1) tipos de traços (que vimos no tópico “4.6. O Traçado”), podem ser combinados para formarem (2) componentes, que juntos podem formar (3) ideogramas simples, que juntos podem formar (4) ideogramas compostos. Com isso, cremos que quanto mais primitivo o elemento extraído de um Kanji for (preferencialmente “traços” e “componentes”), mais fácil será a memorização de um Kanji (no topo), pois haverá a tendência de o elemento primitivo se repetir mais vezes em diferentes combinações e com isso você será capaz de perceber padrões (assim como em português aprendemos primeiro as letras do alfabeto e depois as sílabas, combinações possíveis de letras, padrões). Fazendo uma analogia, se fôssemos encaixar “guarda-chuva” na figura apresentada, as letras seriam os traços, as sílabas, os componentes, “guarda” e “chuva” (palavras simples) seriam os ideogramas simples e “guarda-chuva” (palavra composta), o ideograma composto.

Infelizmente parece não haver muitas opções que nos apresentem esse tipo de decomposição de Kanjis. O único programa que encontramos foi o “Jishop”, cuja versão para Windows é paga (pode ser avaliada por 30 dias e após esse período há uma restrição no número de Kanjis disponíveis):

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Um site que faz a decomposição de Kanjis em níveis de forma próxima ao Jishop é o “HanziCraft”, abordando os Kanjis do ponto de vista chinês:

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Nós disponibilizamos a nossa “Decomposição de Kanjis”, que pode ser acessada aqui. Os Kanjis estão divididos por nível do teste de proficiência e você notará que alguns Kanjis possuem entre parênteses no campo “JLPT” um número ou uma barra. Veja:

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O número entre parênteses indica o nível REAL do JLPT ao qual pertence o Kanji em questão. Entretanto, como ele faz parte de algum Kanji de nível inferior, ele é abordado de forma antecipada para que as decomposições façam sentido. Já os Kanjis com barra são aqueles fora do Jouyou Kanji, podendo até ser um ideograma antigo ou usado apenas na China, mas também são peças constituintes dos Kanjis cobrados no JLPT. Como o projeto foi lançado recentemente,  caso encontre alguma informação errada, entre em contato conosco, por favor.

Reveja como escrever os Kanjis CONSTANTEMENTE. Conforme o relato de um japonês no Fórum Quora, quando se trata de aprender Kanjis “tudo é (questão de) ROTINA. É pura MEMORIZAÇÃO, e quanto mais você lutar contra a ideia de memorização, mais tempo você levará para aprender”. Esta é outra razão pela qual começaremos usando Kanjis. Não há razão para deixar o imenso trabalho de aprendê-los em um nível avançado. Ao estudar Kanjis junto com novos vocábulos desde o começo, o imenso trabalho será dividido em pedaços pequenos e controláveis e o tempo extra ajudará a fixar na memória permanente os ideogramas aprendidos. Além disso, isto irá ajudá-lo a ampliar seu vocabulário, o qual geralmente terá combinações de Kanjis que você já conhece. Se você começar a aprender Kanjis depois, este benefício será desperdiçado ou limitado.

Há uma grande quantidade de websites e softwares para auxiliá-lo no aprendizado dos Kanjis. Infelizmente, a maioria dessas fontes está em inglês, ou seja, seria bom que você soubesse o básico dessa língua para que possa tirar proveito. Outro software útil é o JWPce”, um editor de texto e dicionário no qual você encontra o significado de qualquer Kanji rapidamente entre os milhares do banco de dados, se souber como procurar. A busca pode ser feita através do número de traços ou do radical. Observe:  

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O número de traços (strokes) e qual é o radical de um ideograma são as duas informações mais úteis que você pode ter. Se tiver seu computador do lado, nenhum Kanji desconhecido irá atrapalhar seus estudos.

Você já aprendeu anteriormente que durante os seis anos da escola primária, os alunos aprendem os 1026 Kanjis básicos e os outros 1110 nos três anos posteriores. Obviamente, os Kanjis apresentados na primeira série são mais simples que os Kanjis da sexta série. Esse método irá seguir exatamente a ordem de aprendizado de um aluno numa escola japonesa. Podemos concluir, portanto, que os Kanjis são ensinados de acordo com sua simplicidade, facilidade e importância.

Então, não seria interessante que os Kanjis fossem organizados pelo uso, pelo seu aparecimento no dia a dia?

No JWPce uma das informações que podem ser obtidas de um Kanji é a sua frequência, ou seja, o número de vezes que este aparece no dia a dia, em jornais, livros e qualquer fonte escrita. Observe as figuras abaixo:

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Podemos notar que o Kanji "dia" 「日」é o mais frequente, ou seja, aparece toda hora, em todos os lugares. Já o Kanji "explosão" 「爆」, não aparece tantas vezes; existem 734 Kanjis mais frequentes que ele.

Essa classificação é útil para organizar Kanjis pela sua utilidade. Se você aprender antes os Kanjis que aparecem mais frequentemente, maior a probabilidade de entender um texto em japonês.

NOTA: se você deseja filtrar os Kanjis de acordo com a frequência, série de ensino, etc. acesse o site “KanjiCards” (http://kanjicards.org/). Vá até a opção “Kanji Lists” e você encontrará filtros muito úteis.

O “Jisho.org” (versão antiga) é um dicionário online de japonês com diversas funções. Na aba “Kanji” é possível efetuar uma busca por Kanjis através de um filtro:

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Na aba “Kanji by Radicals” é possível fazer a pesquisa por radicais:

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E ao clicar em algum Kanji, é possível visualizar diversas informações, tais como frequência e número de traços:

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E se você gostaria de ter acesso a algo que lhe mostrasse o traçado de forma animada, o Draw Me a Kanji é o lugar certo. Basta inserir uma palavra ou mesmo uma sentença para ter o traçado de cada Kana e/ou Kanji feito na sua frente!

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Basicamente é isso.

5.4. POR QUE OS JAPONESES AINDA USAM O KANJI?

Algumas pessoas podem achar que utilizar um sistema baseado em símbolos, em vez de um alfabeto sensível, é ultrapassado e muito complicado. Outros podem achar que se deveria alterar o sistema de escrita japonesa para o Roomaji (lição 6) a fim de exterminar todos os caracteres complicados que muitas vezes desorientam os estrangeiros. De fato, durante a Era Meiji (1868-1912), houve um movimento entre alguns estudiosos que defendiam a abolição do sistema tradicional de escrita e a utilização do Roomaji. Mas, por que isso não deu certo, se os coreanos, por exemplo, adotaram com grande sucesso seu próprio alfabeto (o Hangul) para simplificar eficazmente sua linguagem escrita?

Qualquer um que tenha vasta experiência na escrita japonesa é capaz de explicar o porquê disso não ter dado certo: em qualquer momento, ao efetuarmos a transcrição de uma palavra escrita em Kanji para o Hiragana (ou mesmo Roomaji), muitas vezes deparamo-nos com pelo menos duas palavras homófonas e, às vezes, até mais de dez. Para ilustrar, procure no dicionário o significado da palavra “kikan” e você se deparará com pelo menos 50 vocábulos com significados diferentes!

No Kana existem poucos caracteres e entre eles não há praticamente nenhuma interação, isto é, não é possível combinar dois ou mais para formar um novo som, como as letras combinadas que formam sílabas diferentes em português, tornando possível a diferenciação de palavras homófonas. Observe:

CESTA / SEXTA; SEÇÃO / SESSÃO; CONCERTO / CONSERTO...

Como resultado, o número de sons possíveis de serem reproduzidos graficamente com o Kana é muito limitado. Se escrevêssemos “kikan” em Hiragana, a única coisa que teríamos é きかん, きかん, きかん, きかん, きかん...

Como seria possível diferenciar as palavras dentro de um texto, já que seus sons são idênticos? Fica claro, portanto, que tanto os 46 fonemas do sistema Kana como o sistema Roomaji, não são capazes de diferenciar as palavras homófonas, mesmo graficamente.

Agora, façamos uma comparação com o “HANGUL”, alfabeto utilizado na escrita da língua coreana. Ele foi introduzido em 1443 pelo rei Sejong, o Grande, em substituição aos ideogramas chineses usados na Coreia até o século XV, muito embora a ortografia definitiva só tenha sido publicada em 1946, logo após a independência da Coreia do domínio japonês. A partir dos anos 70, o uso dos ideogramas chineses começou a declinar gradualmente na escrita comercial ou não-oficial no Sul, devido à intervenção do governo, com alguns jornais sul-coreanos agora usando os ideogramas chineses apenas para abreviações ou desambiguação de homônimos. Tem havido um amplo debate sobre o futuro dos caracteres chineses na Coreia do Sul. A Coréia do Norte, por outro lado, estabeleceu o alfabeto coreano como seu sistema exclusivo de escrita em 1949 e proibiu completamente o uso de ideogramas chineses.

O “HANGUL” possui 14 consoantes e 10 vogais. Qualquer uma das consoantes pode ser combinada com as vogais dando um total de 140 sons. Observe o quadro a seguir:

HORIZONTAL: Vogais. VERTICAL: Consoantes (Fonte: Vai um Dorama?)

NOTA: Se quiser saber como pronunciar os sons do alfabeto coreano, clique aqui.

Há ainda 11 vogais compostas e 5 consoantes duplas, totalizando, assim, 19 consoantes e 21 vogais. São apenas combinações das letras simples, havendo sutil mudança na pronúncia. Veja:

NOTA: Se quiser ouvir a pronúncia dessas combinações, clique aqui para as vogais compostas e aqui para as consoantes duplas.

Para entender como funciona a formação de palavras no coreano, considere que na maioria dos sistemas de escrita se constrói palavras simplesmente colocando as letras uma ao lado da outra. Por exemplo, para formar a palavra "gato", pegamos as letras "G", "A", "T" e “O” e simplesmente as colocamos uma após a outra em sequência. Assim:

G + A + T + O= GATO

No coreano é um pouco diferente, na medida em que as "letras" não são escritas em sequência, mas sim agrupadas em blocos (jamos). Por exemplo, a palavra “HANGUL” (“HANGEUL”, em coreano) possui as letras coreanas ㅎ, ㅏ, ㄴ, ㄱ, ㅡ e ㄹ. Contudo, para formar a palavra “HANGEUL” em coreano não se deve colocar essas letras em sequência como fazemos em português, isto é,  “ㅎㅏㄴㄱㅡㄹ” (seria fácil para nós se fosse assim, não é mesmo?).

Devemos primeiro agrupar as letras coreanas em blocos “quadrados”, nos quais as letras são dispostas da esquerda para a direita e/ou de cima para baixo:Uma vez construídos os blocos silábicos, agora sim podemos coloca-los um ao lado do outro, assim como fazemos com as letras em português, obtendo:

한 + 글 = 한글 (HANGEUL)

Um bloco silábico pode ser constituído por 2 a 5 letras, incluindo pelo menos uma consoante e uma vogal e há 9 layouts principais:

E como saber qual layout usar para formar uma sílaba? A resposta é: depende da vogal. Conforme menciona a professora Licca Dias do HARU HARU:

Para definir qual bloco usar, tomamos como referência sempre a primeira vogal que aparece (…). Se o traço maior da vogal está em pé, usamos os blocos verticais. Se o maior traço da vogal está deitado, tomamos os blocos horizontais para agrupar as letras. Os blocos diagonais são apenas para as vogais duplas (ditongos)

Blocos verticais: usados para as vogais ᅡ, ᅢ, ᅣ, ᅤ, ᅥ, ᅦ, ᅧ, ᅨ e ᅵ;

Blocos horizontais: usados para as vogais ᅡ, ᅢ, ᅣ, ᅤ, ᅥ, ᅦ, ᅧ, ᅨ eᅵ;

Blocos diagonais: usados para as vogais ᅪ, ᅯ, ᅬ, ᅫ, ᅰ, ᅱ e ᅴ.

Os blocos sempre começam com uma consoante, depois uma ou duas vogais são inseridas e então é seguido por outras consoantes.

                                                               

E nos apresenta os blocos divididos por quantidade de letras e com a sequência de leitura de cada um. Antes, porém, é importante mencionar que, como no coreano, toda sílaba deve começar com uma consoante, as vogais nunca são usadas de forma isolada em uma palavra. Quando uma palavra tiver uma vogal isolada, como em “abacate” (“ABOKADO”, em coreano), que tem a vogal “A” isolada (A – BO – KA – DO), a ela deve ser anexada a consoante nula “ㅇ” para satisfazer a regra. Então, esse “A” fica “” = 아보카도.

NOTA: A consoante “ㅇ” só é nula no início da sílaba. No fim dela, é romanizada /ng/, tendo um som próxima a /n/.

Agora, observe os quadros abaixo:Perceba como o sistema de blocos silábicos abre muitas possibilidades quanto à combinação de letras. Segundo Tae Kim, teoricamente, podem ser criados cerca de 1960 sons, embora o número de sons usados na prática é muito menor que isso. Contudo, ainda assim, é muito maior do que a quantidade de sons que existem na língua japonesa.

Agora, vamos abordar rapidamente o que é o “BATCHIM”. Primeiramente, esteja ciente de que no coreano consoantes podem ter a pronúncia alterada em determinadas circunstâncias.

Calma! Vamos por partes...

Fazendo uma analogia para você perceber que isso não é um bicho de sete cabeças, em português também temos mudança de pronúncia de consoantes. Por exemplo, a consoante “S” é pronunciada com som de “Z”, quando está entre duas vogais, como em “asa”. Outro exemplo, é a consoante “X” que pode ter som de “Z”, como em “exemplo” ou som de “SS” como em “sintaxe”.

Voltando para o coreano, uma das circunstâncias em que uma consoante tem sua pronúncia alterada é quando ela está no final de uma sílaba (bloco) e sem o acompanhamento de uma vogal (daí o nome “BATCHIM”, que significa "suporte" ou "escora", porque parece que essa consoante solitária sustenta as outras letras do bloco). Aliás, na própria palavra “BATCHIM” ocorre esse fenômeno. Observe as consoantes em vermelho:

 
Nestes casos, a consoante final sem vogal pode ter seu som alterado, conforme a tabela abaixo:

Não é nossa intenção fazer uma abordagem aprofundada, já que estamos expondo alguns conceitos básicos da escrita coreana para fins meramente comparativos. Se quiser saber mais sobre o “BATCHIM”, assista a este vídeo.

Note que afirmamos que o “BATCHIM” é uma das circunstâncias na qual há mudança de som de consoante, pois há outros casos. Por exemplo, as consoantes “ㄱ”, “ㄷ” e “ㅂ” são pronunciadas [K], [T] e [P] respectivamente normalmente no início de palavras e [G], [D] e [B] (vozeadas) em outras posições. Veja os exemplos:

→ pronuncia-se [pada] = Mar

→ pronuncia-se [chunbi] = Preparativo

Somente com essa exposição bem básica, já somos capazes de perceber a diferença entre a quantidade de sons possíveis do sistema coreano de escrita e o número limitado de sons que tanto o Kana e o Romaji são capazes de produzir graficamente. A partir daí, é que começamos a perceber a grande importância que os ideogramas chineses têm na escrita japonesa.

Considerando-se que a velocidade de leitura costuma ser maior do que a de fala, são necessárias algumas pistas visuais para que seja possível identificar instantaneamente cada palavra – tal como ela é – dentro de um texto. Em português, somos capazes de distinguir as palavras porque a maioria delas possui formas diferentes quanto à grafia. Na língua coreana ocorre a mesma coisa, pois há caracteres o suficiente para criar palavras distintas e de formas diferentes. Voltemos ao exemplo da palavra “Kikan”, usando três significados possíveis, agora escritas com Kanji:

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Perceba como, apesar de as três palavras serem homófonas, com o uso dos Kanjis somos capazes de diferenciá-las, pois são grafadas de forma distinta. Sem os ideogramas chineses, mesmo que separássemos as palavras, as ambiguidades e a falta de pistas visuais forçariam o leitor a parar frequentemente sua leitura para tentar adivinhar, pelo contexto, qual palavra está sendo usada, tornando assim, o texto muito mais difícil e incômodo de ler.  

Porém, você poderá pensar ou encontrar a seguinte objeção: “O excesso de palavras homófonas não justifica a necessidade de Kanjis, pois na fala os japoneses se entendem mesmo com a existência de palavras homófonas!”

Essa objeção tem certa lógica, mas é superficial, pois fala e escrita possuem características diferentes. A língua falada é interativa e, portanto, tem uma grande flexibilidade, ao passo que um texto é estático. Ora, se estamos conversando com alguém e não entendemos algo que foi dito, podemos pedir maiores explicações ou o falante mesmo pode reformular totalmente a sentença usando palavras mais comuns e/ou mais fáceis. Por outro lado, na escrita, essa interação já não é possível. E como essa interação não é possível, a clareza se torna fundamental. Clareza essa que é possível graças ao uso de Kanjis.

Qualquer pessoa, seja qual for sua língua, interpreta o que ouve de acordo com o contexto e com o “banco de dados” de experiências acumuladas. Por exemplo, em português, se você ouvir O SOM “cela”, provavelmente a primeira coisa que virá a sua mente é a imagem de cadeia, não é mesmo? Esse é o sentido mais comum. Entretanto, “cela” também pode indicar um “aposento pequeno” e o “quarto de um religioso” em um convento ou mosteiro. Ainda, o mesmo som escrito de forma diferente, isto é, “sela”, significa “peça de couro posta sobre o lombo de um animal de montaria”. Então, imagine que alguém ouça a seguinte oração:

“O religioso voltou para sua cela, mas não limpou a sela”.

Perceba que se a pessoa que ouvir a oração acima não estiver contextualizada, não conhecer os significados “menos comuns” de “cela” e a palavra “sela”, ela irá imaginar que o religioso é um criminoso. Irá interpretar como “O religioso voltou para sua cela (na cadeia) e não a limpou”. Aliás, veja o relato de um japonês ao responder como os japoneses entendem palavras não tão comuns sem olhar o Kanji. Usa-se o som 「じんせい」 como exemplo:

“(No computador), quando converto 「じんせい」 do Kana para o Kanji, obtenho 「人生」,「尽誠」,「仁政」,「靭性」,「人世」,「腎性」,「仁成」,「人性」,「壬生」,「神成」e「仁正」. Em geral, quando alguém quer transmitir informações usando palavras, usará palavras que a outra pessoa pode entender apenas ouvindo, e dos termos citados, apenas 「人生」 e 「仁政」 se aplicam a isso”. (StackExchange – Japanese)

O que ele quer dizer é que se ele (e talvez a maioria dos japoneses) ouvir 「じんせい」, de acordo com o banco de dados de experiências acumuladas, a primeira coisa que virá a sua mente é 「人生」 = a vida humana ou 「仁政」= regra benevolente, pois esses são os sentidos que ele conhece e provavelmente os mais comuns. Por outro lado, os outros nove sentidos do som 「じんせい」 parecem ser específicos, mais restritos. Isso implica que se alguém dizer 「じんせい」 querendo indicar algo mais restrito, muito provavelmente não será entendido por ele e terá que se explicar ou reformular o que foi dito. Por exemplo, a oração em português poderia ser reformulada com palavras mais comuns, assim:

“O religioso voltou para o quarto dele, mas não limpou aquele negócio de couro que se põe em cima do cavalo”.

Então, de forma geral, podemos dizer que em situações em que o ouvinte “só tem o ouvido” para reconhecer as palavras (conversas e programas de rádio, por exemplo), procura-se facilitar as coisas através do uso das palavras mais fáceis e comuns (como se faz em qualquer outra língua). Já em programas de TV, usa-se legendas, que além de servirem para dar ênfase em algo, servem para clarificar possíveis ambiguidades com relação às palavras ditas, seja para os falantes do japonês padrão, seja para os falantes de dialetos (Lição 49).

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Aliás, estar ciente dessa característica da língua prática (principalmente a falada) pode facilitar o seu aprendizado de vocabulário. Estudantes tendem a querer aprender de uma vez todos os significados possíveis de uma nova palavra ao se deparar com ela. Porém, perceba que nós que falamos português NÃO sabemos todos os significados das palavras que conhecemos (e nem os nativos de outras línguas!). Por exemplo, se um estrangeiro lhe perguntar o que significa “gato”, a primeira coisa que virá a sua mente é o animal; a segunda coisa é a ideia de um homem bonito. E talvez a terceira coisa é a ideia de algo mal feito, uma gambiarra. E só. Afinal esses são os sentidos mais comuns, mais usados. Entretanto se consultarmos o Dicionário Aulete, ele nos apresentará 20 significados para “gato”! Veja:

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Sabemos todos esses significados possíveis de “gato”? Não!! Isso prejudica nossa comunicação diária? Também não!! É ao longo da vida que aprendemos novos sentidos das palavras que conhecemos, de acordo com as circunstâncias vividas. Caminhamos a partir do comum para o mais restrito e não o contrário. Por isso, experimente se concentrar nos significados mais comuns das palavras. E os mais específicos? Você pode aprender se expondo e vivenciando as mais diferentes situações.

Ainda, poderiam afirmar: “OK, mas dada a globalização o uso de Kanjis se torna uma barreira para uma maior abertura do Japão! Por isso, uma hora ou outra terão que abrir mão desse sistema de escrita!

De fato, podemos encarar os Kanjis como uma barreira neste quesito. Porém, isso não é só com os Kanjis! Qualquer língua em relação a outra é uma barreira. Qualquer língua foi pensada originalmente para atender, localmente, às necessidades de comunicação de determinado povo. A globalização, entretanto, realmente conduz à necessidade de interação com outros povos de línguas e culturas diferentes (passar do local para o global). Cremos que quando se trata de globalização, o ideal seria dizer adequação da linguagem, o que não implica a abolição de algo. Por exemplo, se um brasileiro e um americano precisam interagir, ou o americano fala português ou o brasileiro fala inglês. Nesse contexto, precisa haver entre os dois “uma língua comum”. Não é necessário abolir localmente o português, por exemplo.

Pode-se discutir se os japoneses possuem ou não flexibilidade quanto à adequação da linguagem com relação aos povos de outros países, mas esse não é o intuito desse tópico.

Outro argumento comum a favor da abolição do Kanji é: “Nos jogos de video game e livros infantis se costuma utilizar somente o Kana com espaços entre as palavras. Portanto, é possível sim abolir o Kanji!

A questão aqui é o público que se tem em mente (no caso o infantil) ao se utilizar tal recurso. Vejamos um exemplo:

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Como se tem também o público infantil como alvo, há a preocupação de evitar o uso de palavras complexas, construções longas e/ou avançadas e, neste exemplo, o uso de espaço é para facilitar o reconhecimento das palavras. Trata-se apenas de adequar a linguagem para um público específico. Entretanto, não é possível adotar essa mesma simplicidade em textos jornalísticos ou acadêmicos, por exemplo. Textos exigem formalidade e, como consequência disso, formulações e um vocabulário mais complexos.

Outro argumento com o qual você pode se deparar é: “Não há necessidade de aprender Kanjis. Durante muito tempo a maioria das populações no mundo  se comunicou oralmente apenas!”

Esse argumento tem suas razões. De fato, podemos dizer que, de forma geral, o ensino da escrita voltado para a população em geral é algo recente na história humana. Até poucos séculos atrás, o saber ler e escrever era algo restrito a grupos específicos das sociedades. Durante muito tempo, então, a maioria das populações no mundo realmente viveu apenas da língua falada.

Contudo, eram outros tempos! As circunstâncias eram outras! Ainda que nos tempos atuais ainda seja possível se comunicar apenas oralmente, sem saber ler e escrever, isso acarreta um prejuízo enorme, já que o acesso à escrita já não é algo restrito como em tempos passados. Se antes saber ler e escrever era exceção, hoje as coisas se inverteram, isto é, espera-se que grande parte das populações saiba ler e escrever e se age em função disso. Logo, há uma infinidade de material escrito já produzido e constantemente produzido, ao qual fatalmente não teremos acesso se nos restringirmos a língua falada.

***

Pode não ter sido uma boa ideia ter adotado o chinês no idioma japonês, haja vista que ambas as línguas são fundamentalmente diferentes na estrutura e, além disso, são povos com visões de mundo diferentes. Esses dois pontos, somado ao fato que no japonês se adota apenas parte dos elementos dos Kanjis (seja caracteres ou significados), dificultam o entendimento da lógica de formação dos Kanjis, pois é como se na prática tivéssemos um quebra-cabeças com peças faltando (ou peças demais se considerarmos cada nova leitura On que foi sendo incorporada).

Não cremos, no entanto, que o sistema de Kanjis seja arcaico. Ora, ainda hoje usamos figuras no lugar de palavras, como nas placas de sinalização, de instruções, ou mesmo, quando queremos escrever de forma lúdica ou bem informal. Por exemplo, se alguém escrevesse: “Meu quebrou”, você entenderia como “Meu telefone quebrou”, não é mesmo? A questão é que há o que chamaremos de “conceitos universais” (que não mudam com o tempo ou lugar) e “conceitos circunstanciais” (que dependem do tempo, lugar, visão de mundo das pessoas, recursos de linguagem disponíveis, etc.). E, nesse ponto, pode-se discutir se os caracteres usados são práticos ou não.

O nosso propósito, por enquanto, não é debater sobre as decisões tomadas há milhares de anos ou quais podem (ou poderiam) ser as alternativas possíveis, e sim explicar o motivo pelo qual você precisa aprender Kanji, a fim de aprender japonês. Em outras palavras, queremos dizer que “se assim foi feito, vamos nos esforçar para aprender deste jeito”. Não queira fugir dos Kanjis.

5.5. OS KANJIS GUARDAM A TRADIÇÃO?

Um dos argumentos mais usados para se defender o uso dos Kanjis ainda hoje é que ele conservaria uma ligação com o passado e isso é importante para a identidade de um povo. Entretanto, se você começar a estudar a origem das palavras, perceberá que, ao contrário do que muito se diz por aí, a escrita por meio de Kanjis de muitas palavras perdeu a ligação com o passado.

Um exemplo é a palavra 「まなざし」 (目差し), que significa “um olhar”. Ela pode ser escrita 「目差し」, sendo esta possivelmente a escrita original.

E por que a palavra não é pronunciada 「ざし」?

Na verdade, a palavra 「目差し」 pode ser pronunciada 「めざし」, mas neste caso, ainda que tenha o significado de “um olhar”, ela adquiriu o significado principal de “alvo”, “objetivo”, o que faz todo sentido já que um objetivo é para onde direcionamos nosso olhar.

A pronúncia 「まなざし」 vem provavelmente de uma evolução do clássico 「めがさし」(目が差し), no qual 「が」 tem a mesma função da partícula 「の」 (Lição 19). Houve, então, a mudança de pronúncia de 「が」 para 「な」 e de 「め」 para 「ま」, fenômeno que pode ser observado também na palavra 「まぶた」, isto é, “pálpebra”, provavelmente pensada como “a tampa dos olhos”, que pode ser escrita 「目蓋」 com Kanjis.

Note que, se analisarmos friamente, como o 「な」 representa gramaticalmente uma PARTÍCULA, o esperado é que a escrita de 「まなざし」 se tornasse 「目差し」. Isso sim, na nossa opinião, seria conservar a tradição da palavra. Porém, neste caso o 「な」 acabou “sendo inserido” no Kanji.

Outro exemplo que nos remete agora ao Japonês Antigo é a palavra 「まつげ」 (まつ毛), que significa “cílios”. Claramente, ela vem de 「目つ毛」, no qual no Japonês Antigo o 「つ」 era uma partícula semelhante a 「の」(Lição 60). Note que aqui também a pronúncia de 「目」 (め) foi alterada para 「ま」.

Observemos agora a palavra 「まゆげ」, que significa “sobrancelha”. Note que não estamos usando os Kanjis para essa palavra justamente para que eles (ironicamente) não atrapalhem na nossa análise.

Primeiramente, é provável que 「ま」 se refira a o mesmo 「目」 (め) dos exemplos anteriores. Já 「ゆ」 é apontado por algumas fontes como sendo a palavra 「うえ」 (上). E finalmente temos げ」 (毛). Ou seja, a palavra 「まゆげ」 significaria literalmente algo como “pelos acima dos olhos”.

Considerando o que pode ter sido pensado originalmente, se formos considerar a TRADIÇÃO, seria esperado que a palavra 「まゆげ」 fosse escrita 「目上毛」, mas não foi isso que aconteceu (pelo menos até onde sabemos). A escrita “padrão” é 「眉毛」, na qual se perde toda a ligação com a possível ideia original. Aliás, analisando friamente, 眉毛」 não faz muito sentido, pois o Kanji 「眉」em si já significa sobrancelha.

Aproveitando a oportunidade, em português a palavra “sobrancelha” se originou da ideia de que os pelos ficam “sobre a celha (=cílios)”. Então, provavelmente os falantes começaram a acrescentar instintivamente um “N” em "sobreacelha" para tornar a pronúncia mais cômoda. E da mesma ideia da qual surgiu “sobrancelha” temos a rara palavra “sobrolho” (sobre o olho) para designar essa mesma parte do corpo.

Analisemos agora a palavra japonesa para “hoje”, que é 「きょう」. Primeiramente, a escrita 「今日」 é mais um daqueles casos em que uma palavra chinesa foi importada para representar uma palavra japonesa.

A palavra japonesa 「きょう」 se origina de 「けふ」, no qual esse 「け」 é apontado como uma versão de 「この」(Lição 23) do Japonês Antigo. Aliás, esse mesmo 「け」 pode ser visto em palavras atuais como 「けさ」, que tem o mesmo sentido de 「このあさ」, “esta manhã”.

Já o 「ふ」 seria uma simplificação da palavra “dia”, isto é, 「ひ」. Então, 「けふ」 poderia ser representado hoje como 「このひ」, isto é, “este dia”.

Por causa da evolução da pronúncia, 「けふ」 se tornou 「けう」 e depois 「きょう」, a pronúncia atual. Note que ao adotar a palavra chinesa 「今日」, ainda que ela represente um conceito parecido, perdeu-se a tradição, pois 「今日」 NÃO aponta totalmente para os elementos ORIGINAIS japoneses. Por tradição, seria muito melhor se tivéssemos algo como 「此日」(此 = este; 日 = dia).

Aproveitando a oportunidade, acredita-se que a palavra para “ontem”, isto é, 「きのう」, seja uma abreviação/evolução da expressão 「さきのひ」(先の日), “o dia anterior”. Por causa da evolução da pronúncia, 「さきのひ」 perdeu o 「さ」 inicial e o 「ひ」 assim como em 「今日」, tornou-se 「う」. Logo, por que não usar 「先日」? Aliás, 「先日」 pode ser lido 「せんじつ」, indicando um conceito parecido com “ontem” – “dias anteriores”.

Enfim, ainda que inicialmente possa não parecer, se considerarmos a origem de muitas palavras e a natural evolução da pronúncia, o sistema de Kanjis traz muitos desafios. Perceberemos como o sistema de Kanjis não conserva tanto assim a tradição, a ligação com o passado como se diz por aí. Pode-se até questionar se ele não acabou causando RUPTURAS com um passado ainda mais distante.

A China era vista como uma nação modelo e uma das tribos que habitava o arquipélago japonês – a tribo Yamato – começou a promover uma espécie de “copia e cola” da China em seus elementos culturais, estruturais e linguísticos. Isso de fato lhes deu força política sobre as demais tribos. Entretanto, a que preço? Percebe-se com isso que tradições podem, mais do que apontarem para as raízes de algo, apenas serem tentativas de conservar preferências que povos julgaram ser as melhores possíveis dadas as circunstâncias e necessidades em um determinado ponto da História. Em outras palavras, de certo modo a tribo Yamato preferiu ter relevância a propriamente conservar elementos que vigoravam até então.

Por isso, não é exagero comparar os Kanjis ao sistema de escrita do inglês.

No inglês, sabemos que decorar a pronúncia individual das letras não faz com que saibamos como pronunciar as palavras. Um exemplo claro disso é a palavra “colonel”, que é pronunciada de forma totalmente diferente de como é escrita. O professor Denilso de Lima do recomendadíssimo Inglês na Ponta da Língua explica neste vídeo. Sendo assim, pode-se dizer que no inglês a escrita serve apenas como um “lembrete” das palavras e NÃO como uma representação do seu som em si.

E algo que pode nos ajudar a chegar à origem de algumas palavras é estudar os dialetos (Lição 50). Também, o site JLect é uma ótima ferramenta, pois “tem como objetivo fornecer o primeiro e mais confiável dicionário on-line que se concentra especificamente nos diversos dialetos e idiomas falados no Japão. O JLect espera que seus leitores obtenham uma melhor compreensão dessas formas únicas de fala, tornando-se assim um recurso valioso tanto para alunos quanto para linguistas. Todos os verbetes são divididos por sua forma escrita, parte da fala, uso regional, verbete de dicionário e história etimológica. Quando disponíveis, também são fornecidos exemplos de frases e notas de uso”.

5.6. OS JAPONESES ESTÃO ESQUECENDO COMO ESCREVER KANJIS?

Na introdução ao curso, citamos a importância da repetição para a absorção de conteúdo aprendido. Porém, é importante também levar em consideração como é que se dará essa repetição da informação. Isso, porque, quando se trata de algo complexo como o Kanji, a experiência concreta mostra que apenas a repetição, digamos visual, não é suficiente!

Um artigo do site Tofugu levanta uma questão muito interessante e que pode tranquilizar os que buscam memorizar o maior número de Kanjis como se isso fosse uma questão de vida ou morte. O autor chama esse fenômeno de “Amnésia de Caractere”.

E o que é isso?

A amnésia de caractere se refere ao fato de que as pessoas no Japão (e na China) estariam se esquecendo como escrever Kanjis!! Isso mesmo...

Ora estamos vivendo um tempo em que a informação é muito rápida e quase tudo se tornou digital. As pessoas estão usando cada vez mais computadores, telefones e outros dispositivos eletrônicos e, graças a essas coisas, quase não há razão para escrever algo usando as mãos. Pense quando foi a última vez que você escreveu algo à mão...

Tudo o que você tem que fazer hoje em dia é escrever os sons que compõem uma palavra em japonês, e automaticamente seu dispositivo eletrônico mostra a combinação mais provável de Kanji, baseado no que você escreveu. Se não for a primeira combinação, geralmente há muitas outras que você pode escolher. Isto significa que a necessidade de saber o traçado de um Kanji é quase inexistente na vida real. Tudo o que você precisa fazer é ser capaz de reconhecer um Kanji e saber sua leitura. Literalmente, metade do trabalho da comunicação escrita desapareceu.

Peguemos o português como exemplo. Com esse negócio de autopreenchimento e corretor ortográfico, de certa forma, ficamos preguiçosos. Com certeza, muitos que passam a maior parte do tempo em seus smartphones teriam dificuldades de escrever as palavras com a caneta. Isso porque o nosso alfabeto tem poucas letras e elas têm um traçado simples. Agora pegue esse exemplo e multiplique por muitas, mas muitas vezes mais, já que no Japão se usa por volta de 2.000 Kanjis, cada um tendo uma quantidade de traços e de forma!

Então, pode-se dizer que, atualmente, os japoneses reconhecem e leem Kanji. Eles também sabem digitar um Kanji... mas, quando se trata de escrever um monte de Kanjis à mão, espera-se que haja muitos erros e omissões. Veja três relatos interessantíssimos de japoneses sobre essa questão (retirado do Fórum Quora):

(1) “Particularmente depois que me formei na universidade, comecei a esquecer os Kanjis pois perdi a oportunidades de escrevê-los com minhas próprias mãos. Isso definitivamente é causado pelo uso do computador. Você pode escrever frases com Kanjis, graças ao poder do software Google IME, que sugere todos os Kanjis que correspondem ao Hiragana que você inseriu e, em seguida, tudo o que você precisa fazer é escolher um. Normalmente aprendemos Kanji na escola primária. Temos muitos exames de Kanji. (...) (Os Kanjis) são compostos por muitas linhas e símbolos. Não é nenhuma surpresa que pessoas comuns como eu tenham facilidade de esquecer como escrevê-los com precisão. Assim como aprender outro idioma, aprender Kanjis  exige um pouco de energia, mesmo para o japonês.”

(2) “Especialmente escrever é realmente difícil para mim. Normalmente digitamos e os computadores convertem automaticamente os caracteres romanos em Kanji, de modo que não temos nem mesmo que nos lembrar deles. Tendemos dizer 「読めるけど書けない」, que significa "Sei ler, mas não sei escrever" por hábito e isso acontece com frequência comigo.”

(3) “O japonês é uma dessas línguas que você tem que escrever à mão todos os dias para preservar sua alfabetização. Como muitas pessoas hoje em dia fazem tudo em seus telefones e laptops, muitos profissionais às vezes tem dificuldade para escrever certos caracteres (Kanjis).”

Diante desse fenômeno sem volta causado pela tecnologia, podemos seguir um destes caminhos:

(1) Para se proteger da amnésia de caractere usar como técnica de memorização de Kanjis também a escrita à mão, de forma constante. Aliás, na China, o Ministério da Educação vem tentando amenizar o problema da amnésia de caracteres através da promoção de aulas tradicionais de caligrafia. Os alunos mais jovens têm aulas todas as semanas especificamente de escrita de caracteres. Já aos mais velhos são oferecidas aulas opcionais e atividades pós-escolares. Segundo este interessante artigo (clique aqui), “escrever com as mãos ajuda tanto crianças quanto adultos a aprenderem mais e memorizarem melhor”. Um relato interessante é o de Bret Mayer, americano que passou no nível 1 do teste japonês de aptidão de Kanjis (o mais difícil, sendo exigido conhecimento de cerca de 6.300 Kanjis). Ele diz: “Preciso de métodos táteis, então o mais importante para mim é a prática da escrita. Eu passei por mais de 50 cadernos, apenas preenchendo-os com caracteres e problemas, e codifiquei tudo com cores, por palavra, leitura e significado”.

Então, se quiser seguir por esse caminho, recomendamos:

➩ Baixar e imprimir folhas para treinar a escrita de Kanjis. Clique aqui;

➩ Baixar o programa “Zkanji 0.10 (beta)”, que tem como uma das funções mostrar o traçado e ordem dos Kanjis, bem como palavras que contêm determinado Kanji. Clique aqui;

➩ Se não quiser gastar papel para treinar a escrita à mão, você pode adquirir uma “lousa mágica” (convencional ou LCD).

OU

(2) Focar na praticidade, deixando um pouco de lado o quesito “como escrever Kanjis” e se preocupar mais em memorizar a aparência e leitura (note que NÃO estamos dizendo “você não precisa saber escrevê-los à mão”).

***

Muitos professores tradicionais não gostarão do que mencionamos, mas saber escrever Kanjis já não é questão de vida ou morte (de novo, o que não significa dizer que não seja mais necessário aprender a sua escrita). Mesmo as escolas japonesas já têm incluído na lista ensinada às crianças Kanjis comuns usados no mundo digital, fato que nos leva a pensar como o uso prático da língua exerce grande influência, muito mais do que a gramática ou listas prontas de Kanjis.

Enfim, fica a reflexão...

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Fontes: 

Acesse as referências bibliográficas aqui.